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CEDRO AUSTRALIANO – IMPLANTAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DE NOVAS ESPÉCIES

Ricardo S. Vilela  –  Diretor da Bela Vista Florestal

Quando se fala em introdução e desenvolvimento de novas espécies florestais, não existe exemplo melhor que o do eucalipto. Uma planta exótica, que após anos de pesquisa, apresenta altos índices de produtividade, adaptada a diversos usos e regiões do Brasil. O nível de desenvolvimento tecnológico dessa cultura hoje, é um modelo a ser seguido, para as empresas que têm como pretensão fazer um trabalho seguro e lucrativo, com qualquer espécie florestal.

Infelizmente, o sucesso obtido com o eucalipto é fruto de uma série de fatores, que nem sempre podem ser copiados. Seja pelo alto custo, pela demanda de técnicos altamente capacitados, pelo tempo de pesquisa, ou pelo ambiente hostil a investimentos de risco que temos hoje no país. Mas não tem outro jeito. O sucesso de um empreendimento florestal está diretamente ligado à tecnologia empregada. Quem quiser trabalhar com as espécies florestais de madeira com alto valor agregado (cedro australiano, mogno africano, guanandi, teca) tem que estar disposto a investir em pesquisa, ou disposto a correr o risco da falta de segurança tecnológica.

A história do cedro australiano no Brasil, é um ótimo exemplo, e ao ser contada, descortina fatos que vieram a ajudar no processo, e outros que demandaram enorme persistência para serem superados.

Introduzido no país pela antiga Aracruz Celulose há mais de 35 anos, o cedro australiano (Toona ciliata) foi plantado no norte do Espírito Santo, nas áreas de teste da empresa, que apesar de não optar por seu cultivo em larga escala, viu na espécie uma promessa de alta renda para produtores rurais. Através de doações de mudas a produtores, prefeituras e ao INCAPER, a Aracruz iniciou a difusão da cultura. Até então o material genético que estava sendo plantado foi trazido com o foco de se adaptar àquela região específica. Daí em diante, foram os próprios produtores de cedro que continuaram sua disseminação, através de coleta de sementes feita sem critério e da introdução em outros estados, alguns com condições de solo e clima completamente diferentes da região inicial. Começou assim uma série de erros, bastante comuns nos empreendimentos com novas espécies florestais. Além de desconsiderar as diferenças geográficas do Brasil, que é praticamente um continente, e querer forçar a adaptação da espécie em áreas inadequadas, o empreendedor não procurou informações seguras sobre o manejo da cultura. Se tivesse procurado, veria que simplesmente não havia pesquisa sobre nutrição, pragas e doenças, uso de herbicidas, podas e desbastes, produtividade e etc.

Em 2002, por indicação de professores da Universidade Federal de Viçosa, a Bela Vista Florestal, empresa situada no sul de Minas Gerais, se interessou e começou a trabalhar com a espécie. Logo em 2005, em função da falta de material genético de qualidade (sementes), e pela inexistência de toda a base teórica citada anteriormente, a BV percebeu que para levar o cedro a sério como negócio, teria que gerar as informações necessárias, pois não havia nenhuma outra empresa no país fazendo isso. E por um motivo óbvio; pesquisa e melhoramento florestal são processos caros, lentos e arriscados. Apenas grandes empresas (celulose e siderurgia) tinham porte suficiente para esse tipo de empreitada, mas pelas características de seus produtos, não se interessavam por madeira sólida.

A Bela Vista viu essa deficiência da cultura como oportunidade de negócio e resolveu investir em um projeto de melhoramento genético e clonagem de cedro australiano. A falta de qualidade das sementes era um dos principais problemas. A cada ano não se sabia se haveria quantidade nem qualidade disponível. Nos anos antes da crise econômica de 2008, uma euforia tomava conta do setor florestal, com preços altos e demanda por tudo o que se produzisse.  Com isso, oportunistas entravam no mercado, e a qualidade das mudas e sementes disponíveis no mercado chegou a um péssimo nível.

Para resolver de vez a questão, em 2006 a BV teve que ir à fonte e iniciou o processo de importação de sementes de cedro australiano, com a ajuda da Universidade Federal de Lavras, e a qualidade do material selecionado pelo Australian Tree Seed Center, do renomado CSIRO. A empresa se beneficiou de um extenso projeto de conservação da espécie em curso naquele país. Sendo o cedro australiano uma das espécies arbóreas mais ameaçadas de extinção no planeta, e de grande importância na história da colonização australiana, o CSIRO mapeou e caracterizou as melhores matrizes do país, e todas as informações de cada planta foram armazenadas.

A equipe da Bela Vista Florestal viajou então para a Austrália, e de lá trouxe sementes de 100 das 124 árvores matrizes selecionadas de norte a sul do continente, ao longo de quase 3000 km de de área de distribuição da espécie.  Uma base genética bem diversificada, imprescindível para o projeto de melhoramento genético que se iniciava, com potencial para se adaptar ao Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Bahia, São Paulo, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Santa Catarina e Paraná. As matrizes selecionadas estavam em locais que variavam entre 40 m (beira mar) a 1.100 m de altitude, e regiões com precipitação entre 900 mm e 2.500 mm, além de diferentes climas e biomas australianos. Enfim, uma vasta gama de materiais genéticos, ambientes e climas foi contemplada.

A importação de 5 gramas de semente de cada uma das 100 matrizes, foi imediatamente acertada com o CSIRO que dispunha de toda a documentação necessária para a introdução no país. Mesmo assim a aprovação do processo pelo Ministério da Agricultura demorou 1 ano. Além disso, após muita negociação, foi feito um ótimo desconto no preço da semente – de AU$ 50.000,00 para AU$ 20.000,00, ou R$ 35.000,00. Mas na hora de retirar o material na alfândega, foi preciso pagar PIS, COFINS, ICMS (além de seguro, aduana, DHL). Somando o custo da quarentena dos lotes no Cenargen, o valor final foi de impressionantes R$ 80.000,00 (valores da época) por meio kilo de semente.

Em 2007, após a liberação quarentenária das sementes,  a empresa fez 30.000 mudas e implantou dois testes genéticos das origens e famílias importadas (testes de procedência/progênies) em regiões biogeográficas bem distintas. Um teste foi implantado no bioma cerrado em João Pinheiro (noroeste de Minas), a 670 metros de altitude, com déficit hídrico e solo arenoso de baixa fertilidade; o outro foi implantado em área de transição cerrado/mata atlântica em Campo Belo (sudoeste de Minas), a 850 m de altitude, em latossolo vermelho de média fertilidade, com 1730 mm de chuva por ano e sem déficit hídrico. Dos estudos e análises desses dois testes, a Bela Vista Florestal iniciou a seleção dos materiais que se tornariam cultivares (clones), iniciando com 1.600 plantas e obtendo no final 39 materiais genéticos promissores. Após esta fase, testes multiclonais foram instalados em quatro municípios mineiros: Jequitaí, João Pinheiro, Piumhi e Campo Belo. Após sete anos de pesquisas e dezenas de outros plantios clonais em diferentes estados, o estreitamento da seleção chegou a 6 cultivares, ou clones, com boa adaptação em todas as áreas testadas e ganho de produtividade que passam de 200% sobre a variedade de cedro australiano existente no Brasil. A produtividade média das florestas oriundas das sementes nacionais fica em torno de 12 m³/ha/ano, enquanto os materiais selecionados chegam a ter em média 30 m³/ha/ano, sendo que alguns clones testados chegam a 44 m³/ha/ano. Dados mais recentes de plantios na Bahia, São Paulo e Paraná confirmam a capacidade de adaptação e produtividade.

A seleção também levou em conta a resistência às principais pragas e doenças do cedro, como o psilídeo branco, o fungo foliar filácora e ácaros. Os estudos levaram ao domínio do manejo da espécie, com uma série de ganhos. A poda de galhos foi muito facilitada. A necessidade de plantio foi reduzida de 1.660 árvores por hectare para 800, pois a exigência de seleção é muito menor devido à homogeneidade entre as plantas.

Para chegar a esse resultado parcerias foram fundamentais. São nove anos investindo em pesquisas, com apoio da Universidade Federal de Lavras (UFLA). Em alguns momentos participaram também o Instituto Estadual de Florestas (IEF) e o Sebrae. A participação da UFLA gerou diversos trabalhos acadêmicos e científicos, entre monografias, dissertações, teses e artigos. No momento mais sete linhas de pesquisas estão em andamento, envolvendo qualidade e usos da madeira, pragas e doenças da planta, nutrição, resistência a déficit hídrico, manejo e melhoramento genético. A segunda seleção de cultivares já está acontecendo, baseada na hibridação de plantas. Durante o desenvolvimento do projeto estão ou estiveram envolvidos os professores Edson Pozza (Fitopatogia), Antônio Eduardo Furtini (Solos), Sebastião Rosado (Melhoramento Genético), Fausto Weimar Acerbi Júnior e Natalino Calegário (Manejo Florestal), Tarcisio Lima e José Reinaldo Moreira da Silva (Qualidade e Tecnologia da Madeira), entre outros, mostrando que com a iniciativa, a UFLA também se tornou um polo de excelência em cedro australiano, e que a interação entre empresa privada e academia é sempre benéfica para o país.

As informações geradas nesses anos de pesquisa estão disponíveis gratuitamente no site da Bela Vista Florestal para todos os interessados, através de textos técnicos, citações e links para produção científica existente, apostilas de cultivo, entre outras informações sobre a cultura.

Atualmente a abertura de mercado com a madeira do cedro australiano, iniciativa da Bela Vista Florestal, complementa e fecha o ciclo iniciado há quase 40 anos, mostrando que a espécie tem seu lugar como uma das principais alternativas para produção de madeira para serraria no Brasil.

Antes de iniciar o cultivo de uma espécie florestal disponível no mercado, pesquise primeiro se ela oferece pré-requisitos semelhantes para que no futuro, as expectativas se confirmem.

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